quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Incompetente e Desonesto

Há muito tempo que não actualizo este blog. Ainda não vai ser hoje que o faço com material original. Mas como não resisti, vou pôr aqui uma cópia de um artigo do Pedro Braz Teixeira, economista, que vinha no Jornal de Negócios de 29 de Outubro.

Vai directamente ao âmago da questão... uma raridade, por estes (e outros) dias...

Um orçamento incompetente e desonesto

PEDRO BRAZ TEIXEIRA

Uma das formas mais graves de incompetência é não perceber o que é prioritário e o que é secundário. A política económica em Portugal deve ter como objectivo final aumentar o potencial de crescimento da economia, que caiu de forma estrutural para níveis abaixo dos da UE, remetendo-nos para uma divergência estrutural, e remetendo-nos ainda para sermos ultrapassados por países que entraram depois de nós, ou seja, que estão há muito menos tempo a receber ajudas da UE.
É inacreditável que o Governo não perceba que este é, de longe, o mais importante e mais grave problema económico português. O Relatório do OE continua a ignorar a existência deste problema e, como o problema é ignorado, praticamente não há propostas para o resolver. Um dos traços mais evidentes deste problema é a falta de competitividade que tem levado a um elevadíssimo défice externo e uma dívida externa numa trajectória explosiva. O Governo não tem a desculpa de dizer que está a prestar mais atenção à gestão da crise conjuntural, porque, justamente esta, com a crise do crédito, veio exacerbar ainda mais o problema estrutural do endividamento externo. Pode haver maior incompetência do que um Governo não perceber qual é o mais grave problema económico português?
Quanto a desonestidade, os exemplos são inúmeros. Desde logo, o cenário macroeconómico delirante. O mundo está a viver uma crise gravíssima (que leva mesmo alguns a vaticinar o fim da economia de mercado) e a economia portuguesa (Ah! valente) desacelera apenas duas décimas! Depois, só nas despesas de pessoal tivemos duas desonestidades.
A primeira foi a introdução inconsistente de uma alteração metodológica. Se esta alteração fosse aplicada de forma consistente a 2009 e aos anos anteriores, nada haveria a objectar. A segunda desonestidade foi dizer que esta alteração tinha sido feita a pedido externo, o que o Eurostat prontamente desmentiu. Estas desonestidades foram rapidamente desmontadas, daí a pergunta: qual a lógica de incorrer na crítica da desonestidade sem qualquer benefício? Temos que concluir que se tratou de uma desonestidade incompetente.
Temos ainda a desonestidade de falar em consolidação orçamental quando os défices de 2008 e 2009 são obtidos com receitas extraordinárias, como se fossem recorrentes. A diferença entre receita total e receita fiscal e contributiva era suposto ser 6,3% do PIB em 2008, mas, afinal, vai ser 7,3%. E para 2009 espera-se que esta diferença suba para 8,5%. Se estas receitas permanecessem no nível do esperado para 2008 (6,3% do PIB), o verdadeiro défice de 2008 seria 3,2% do PIB e o de 2009 seria 4.4% do PIB. Ao verdadeiro défice de 2009 falta ainda adicionar mais duas parcelas: a desorçamentação (Estradas de Portugal, SCUT, etc, etc.) e o optimismo orçamental. Com o cenário mirabolante de manutenção do desemprego, as despesas sociais estão subestimadas. Já as receitas fiscais estão triplamente inflacionadas. Por um lado, o Governo está demasiado optimista em relação ao crescimento do PIB. Em segundo lugar, e contrariamente ao que já se passou em 2008, o Governo prevê que haja um aumento da eficiência fiscal. Em terceiro lugar, há um conjunto de benesses fiscais que o Governo apregoa, mas (diz o Governo) isso não tem impacto sobre a receita fiscal. Das duas uma, ou as benesses são inconsequentes, ou a receita está sobreavaliada. Em resumo, o verdadeiro défice de 2009 deverá estar acima dos 5% do PIB.
Na verdade, este é um orçamento de altíssimo risco, para ganhar as eleições. Se o Governo ganhar a aposta, depois das eleições inventa umas patranhas (em que são especialistas) para justificar por que é que o défice, afinal, esteve tão longe dos 2,2%. Se o Governo perder as eleições, o próximo Governo apanha com um défice de mais de 5% do PIB e vaise ver às aranhas para o domesticar.
Já repararam como esta jogada se parece com a dos banqueiros americanos? Fazem uma aposta muito arriscada; se correr bem, ganham milhões; mas se correr mal, a factura fica para os outros.

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